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O Tesouro Perdido dos Airizes

João Pimentel

Por Portal Evidência em 11/01/2024 às 22:54:53

Foto: Divulgação

Nos últimos anos, a mídia campista quando faz referência ao Solar dos Airizes, exalta o estado lastimável em que ele se encontra. Motivos não faltam. Há décadas abandonado ele vem sofrendo com a ação do tempo. Não tenho conhecimento técnico, mas arrisco dizer que se não fosse o material utilizado na estrutura, provavelmente ele já teria ido ao chão. Mas esse não é o pano de fundo que contempla o comentário de hoje no Historiando Campos.

Em busca de acontecimentos que ficaram no passado da planície goitacá, encontrei um Solar dos Airizes totalmente diferente, esbanjando energia, cultura.

Era agosto de 1936. Colunista de jornal com grande tiragem no país veio até Campos. Após se hospedar no Palace Hotel e olhar o Paraíba do Sul bem em frente, confidenciou a outro hospede: "Era hora de partir para a casa maravilhosa de Airizes onde nos haviam indicado tesouros de arte, situada a doze quilômetros da cidade". Em seguida tomou rumo ao Solar, indo de encontro aos tesouros e publicou o que viu.



"Em quinze minutos o automóvel engole a estrada, varando os canaviais em que sobrepairam chaminés de usinas. Avista-se o seminário, velho casarão tipicamente colonial. Defronta-se o lugar em que a tradição afirma ter vivido a Escrava Isaura. E por fim surge Airizes. Residência de um estudioso de história, que percorreu os cinco continentes para reunir suas coleções, maravilhosas sob todos os aspectos. Airizes é uma casa grande, confortável, acolhedora em seus numerosos quartos, mostrando a hospitalidade antiga. Fora, no terreiro, um grande mastro sustenta um sino e bronze. Pelas grandes salas parecem correr sombras de sinhás-donas. Os móveis, pesados, austeros, guardam uma recôndita tristeza. Mas eis que surgem as primeiras relíquias. Mapas curiosos, feitos por volta de 1700, mostram as Capitanias da Paraíba do Sul, a divisão das Missões, no Rio Grande e outras mais. Ferros de prender escravos, pedaços de uma fragata que esteve em Voluntários da Pátria, coleções históricas de livros sobre arte, documentos que acusaram governadores (já naquele tem tempo havia isso) de delapidar os cofres públicos. No subir ao primeiro andar é forçoso deter-se, no topo da escadaria, para maravilhar os olhos gravuras em cobre, estupendos altos-relevos, indescritíveis iluminuras, como a que um sultão de Marrocos enviou a Rainha de Portugal, numa carta de felicitações. Aí aparecem as telas. É preciso recuar três séculos. Aert Van Der Neer, Adriaen Brouwer, Roelant Savery, David Johannes Botha, Jan Steen, toda essa plêiade de pintores holandeses e flamengos tem ali criações extraordinárias e dezenas de outros nacionais e estrangeiros, antigos e modernos, que enchem as largas paredes.



Vem depois os encantamentos dos trabalhos em marfim. Obras chinesas, japonesas, mongólicas, manchus, transportam o pensamento à suavidade das cerejeiras em flor. Um delicado jogo de xadrez, obra do Século XVIII, que pertenceu a Saldanha da Gama. Agora são as belíssimas gravuras japonesas. Em seda, em bambu, em papiro, com todo o colorido ingênuo e por isso mesmo deliciosamente sincero, que os artistas do Sol Nascente sabem usar como ninguém. Outros álbuns. Outras Maravilhas. Pinturas hindus sobre lâminas de mica. Em grandes armários esplendem as pratarias, desdobrando-se em filigranas do mais prodigioso engenho, enquanto as coleções de porcelanas antigas se perfilam, tendo em si as marcas dos maiores mestres. Autógrafos de reis e de papas, fotografias de rainhas e imperadores, o livro de desenho do infortunado príncipe D. Luiz, filho de D. Carlos de Portugal (ambos assassinados em 1910), o chicote que Nilo Peçanha levava na última vez que montou, e mil e uma coisas mais estão reunidas naquela Casa Grande, velho solar colonial, cercado de laranjeiras. É, em tudo, uma verdadeira casa maravilhosa, dentro do qual somos transportados a paisagens esquecidas da vida e as sensações cuja presença nos perturba, entontece, deslumbra".

Não posso assegurar, talvez o colunista tenha visitado o Solar, para pintar um quadro com suas palavras o interior do velho casarão e seu tesouro. Na década de 30, os veículos informativos, já davam conta que o proprietário havia manifestado o interesse de vender sua riquíssima coleção, um acervo acumulado em 14 anos de Europa. Formado em Direito, jornalista, fazendeiro, plantador de cana, escritor, historiador e ex-diretor do Liceu de Humanidades de Campos, Alberto Frederico de Morais Lamego iniciou as tratativas para a venda do acervo, pelo receio de que, após a sua morte, se dispersasse o trabalho de muitos anos. A parte artística vendeu para o Governo do Estado do Rio, sendo que alguns itens ainda no Solar, foram devorados por cupins. Quanto a Biblioteca e Arquivo foi adquirida pela Universidade de São Paulo e transferida anos depois para o Instituto de Estudos Brasileiros da USP.


Coincidentemente ou não, depois da venda do acervo e falecimento do seu proprietário em 1951, aos 81 anos, o Solar dos Airizes tomou outro rumo, mudando seu destino. Sem o devido cuidado na conservação, vem aos poucos perdendo partes de sua estrutura na luta contra o tempo. Tive algumas oportunidades para adentrá-lo, não sei se outras virão, não sei se o Solar conseguirá evitar ir ao chão.



  • Fonte: * João Pimentel - Pesquisador, historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes

Fonte: João Pimentel

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